
Rosas Vermelhas, de MANUEL ALEGRE
(25 de Março, das 17 às 18.30 h, no Anfiteatro Grande : inscreve-te!)
(...) Talvez seja preciso renunciar à felicidade para conquistar a felicidade. Eu estava na cadeia em Maio de 1963. Tinha aprendido a solidão. Tinha aprendido que se pode gritar com todas as nossas forças quando se acorda a meio da noite com um grito na cabeça e um rato (talvez o medo?) roendo-nos o estômago, que ninguém, ninguém virá repor a paz dentro de nós. E, então, é a altura de saber se as traves mestras de um homem resistirão. Pois só a tua voz, amigo, responderá ao teu apelo torturado na noite. E, nessa hora (a mais solitária das horas), se conseguires cerrar os dentes, dar um murro na parede, acendeu um cigarro, se conseguires vencer esse encontro com a solidão no mais fundo de tio próprio, com que alegria, com que estranha alegria, na manhã seguinte, tu responderás:
- Bom dia!,
mesmo que seja terrível acordar no mês de Maio, nessa estreita paisagem, gelada e branca, com sete pastos de comprimento por sete de largura.
É certo que se podem escolher outros caminhos. Mas poderia eu ter escolhido outro caminho? Acaso poderia dormir descansado, onde quer que estivesse, sabendo que algures, na noite, há homens que batem, há homens que gritam?
Os fantasmas tinham entrado no meu sono, invadiram a minha casa no cimo da ternura; os fantasmas eram donos do país. E se eles viessem de repente, a meio da noite, e eu chamasse:
- Mãe!
A voz (tão calma) de minha mãe já poderia contra eles. Era um trabalho para mim, uma tarefa para todos aqueles que não podem suportar a sujeição. Eu nunca pude suportar a sujeição. Acaso poderia ter escolhido outro caminho?
Por isso, em Maio de 1963, eu estava na cadeia, isto é, de certo modo, eu estava no meu posto.
No dia doze, não acordei com o beijo de minha mãe.
Porém, nessa manhã (não posso dizer ao certo porque não tinha relógio, mas talvez – quem sabe? - às dez e um quarto, que foi a hora em que eu nasci), o carcereiro abriu a porta e entregou-me, já aberta, uma carta de minha mãe. E ao desdobrar as folhas vinham dentro do sobrescrito violado, a pétala vermelha, de uma rosa vermelha, caiu, como uma lágrima de sangue, no chão da minha cela.
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